O PRESENTE

O PRESENTE




Como era um jovem médico muito requisitado, de longe o melhor da pequena cidade, bonito e eficiente, (ou, pelo menos, assim se achava), todas as manhãs, lembrando histórias da infância, perguntava ao velho espelho, ainda que não com palavras, só intimamente.

-Mágico espelho meu, existe outro médico tão charmoso e competente como eu ?

Ao que o espelho, um grande puxa-saco, sempre lhe respondia, sorrindo.

-Mas claro que não, meu doutor.

Então aconteceu que a esposa, mulher ainda jovem e bonita, mas um pouco avançada no peso, e com seqüelas das várias cesarianas se configurando na pequena saliência da barriga, mas saliência que a seus olhos tomava dimensões montanhosas, ouviu anonimamente, via telefone, o que somente as almas daninhas contam.

Na pequena cidade, tudo se sabia, e se faltavam notícias, se inventavam, fofocava-se nas esquinas, a vida perdia a privacidade. E o lar deles que era de entendimento e bem-querer, após o telefonema, se transformou da noite para o dia em desconfianças, cobranças e mudanças... Ora ela dormindo longe, ora voltando à cama conjugal, mas cada um com seu edredom, as crianças não engolindo as máscaras de “está tudo bem”, a guerra fria esquentando os ânimos, Silvério dos Reis dominando a cena...Ai deles... O homem jurava inocência, a mulher tomava lentamente ares de vingança, sogros se preocupavam, afinal, sempre os tinham visto como perfeitos um para o outro...

E chegou o dia dos namorados, havia que presentear a mulher, seu cachimbo da paz, mas cadê tempo? E entre uma consulta e outra, ligou à butique, sendo ela a melhor da cidade, pelos menos a julgar pelos altos preços, e rápido e incisivo, pediu:

- Presente para minha mulher, moça, algo bonito até quinhentos reais.

- Ah, doutor, deixe comigo e como é ela, por favor?

- Minha mulher? Ah, é jovem, bonita.

- E o manequim? Digo, o tamanho... Magra?

- Se é magra? Claro, magra e bonita.

Presente entregue no consultório, nem confere, cadê tempo?

Passa na floricultura, vai encomendar... O quê mesmo? Do que é que mulher gosta? Cravo? Rosas? Liga pra mãe, são amigas, mas a mãe não está, e celular desligado. Ah, mãe é aquele ser que jamais deveria estar incomunicável, vai ter uma conversa séria com ela. Liga pra filha mais velha, mas é a mais nova que atende, é criativa, e só tem seis anos.

- Pai, minha mãe adora aquelas flores que nascem no campo e que a Lulu sempre fala que o Salomão queria se vestir com elas...

Salomão? Que Salomão? Ah, o Salomão da Bíblia, e ele pensando que era algum dono de loja na cidade...Pronto! Compra dúzia de lírios brancos...

E naquela noite inesquecível, sobre a cama, para sua enorme surpresa, ela encontra ao lado dos lírios brancos, um minúsculo conjunto preto e rendado de calcinha e sutiã, onde, para sua grande frustração, jamais entraria... Gracinha daquele marido infiel e ainda por cima gozador? Como descrever o que sucedeu? Todos os demônios se soltaram, o superego comeu o pó da arena, o id triunfante se configurou no olhar faiscante de raiva, ao retirar-se brusca do quarto...

Perplexo, ele pensa em Freud se perguntando no fim da vida:

- Afinal, o que querem as mulheres?